Skip to main content

Era uma vez um menino loirinho, magro, cheio de energia que por conta da sua paixão pela vida selvagem viajou para a África. Lá os guias de ecoturismo o levaram, com segurança, até perto de leopardos, leões, hipopótamos, dentre tantos outros animais, para a sua alegria.

A experiência foi tão marcante que nesse dia disse a si próprio que quando crescesse faria o mesmo no seu país, criaria condições para os brasileiros sentirem-se tão felizes quanto ele ao verem de perto não leopardos, leões e hipopótamos, nativos da África, mas onças-pintadas, onças pardas, lobos-guará, antas, e outras espécies da extensa fauna do Brasil.

Assim, em 2011, aquele menino, já um homem experiente, esportista e empresário bem-sucedido, Mario Haberfeld, apresentou aos brasileiros, no rico bioma do Pantanal, o seu projeto de ecoturismo, de nome bastante sugestivo: Onçafari.

Neste 3 de agosto de 2023 aquela iniciativa repleta de desafios celebra 12 anos de existência, 12 anos de fantástico desenvolvimento e grandes conquistas, com reconhecimento internacional. “Fomos os pioneiros no mundo a reintroduzir com sucesso na natureza onças-pintadas”, afirma Mario. “Atingimos já um estágio bem além do planejado originalmente”.

O início não foi fácil

O criador do Onçafari gosta de lembrar do início de sua trajetória. “Precisamos de quatro, cinco anos para fazer tudo funcionar como desejávamos. O meio ambiente do Pantanal é completamente diferente da reserva de vida selvagem Sabi Sands, na África do Sul. O Pantanal permanece alagado durante seis meses do ano e temos também de saber conviver com a questão da pecuária”, explica Mario. Seu projeto reúne algumas das soluções da Sabi Sands.

“Muitos não acreditavam ser possível desenvolver, no Pantanal, o ecoturismo destinado à observação de animal tão esquivo e pouco conhecido com a onça”, diz Mario, que faz questão de explicar: “Habituar animais não significa domesticá-los e sim mantê-los totalmente selvagens e livres, mas sem que se sintam ameaçados com a presença de veículos”.

Alguns números exemplificam bem o sucesso do Onçafari: 300 onças-pintadas identificadas, mais de 3.400 avistamentos realizados, coletadas amostras biológicas de 32 onças diferentes e 50 rádios colares instalados para monitoramento.

Parcerias decisivas

A decolagem do projeto foi possível também por causa da associação do Onçafari com o então Refúgio Ecológico Caiman Pantanal, no município de Miranda, Mato Grosso do Sul. Pode ser definido como um hotel de alto padrão em pleno Pantanal.

“O Roberto Klabin, seu proprietário, é um conservacionista há mais de 40 anos. Nós integramos o turismo ecológico ao Caiman Pantanal e temos tido muito sucesso juntos”, diz Mario.

Klabin é um dos fundadores do SOS Mata Atlântica, em 1986, e SOS Pantanal, em 2009. O Onçafari criou na área da fazenda na Caiman a sua principal base de operação, hoje bem estruturada, com biólogos, veterinário, guias e outros profissionais.

O Onçafari adotou o mesmo modelo de associação para sua base na Amazônia, no sul do Pará, com a Pousada Thaimaçu, e no Cerrado, a Pousada Trijunção, divisa entre Bahia, Goiás e Minas Gerais.

Bióloga é testemunha ocular

Mas se há alguém com conhecimento técnico e capaz de contar, em detalhes, a rica história do Onçafari nesses 12 anos de existência é a sua bióloga-chefe, Lilian Rampim, presente no projeto desde os primeiros passos.

“Para nós, biólogos, o mais fascinante tem sido desenvolver conhecimento, metodologias. Não existe um manual sobre como cuidar de onças, como treiná-las, ainda bebês, para depois poderem ser reintroduzidas na natureza. Isso tudo tivemos de aprender e esse processo, tanto tempo depois, ainda está em curso”, afirma.

Rampim explica que é essa dificuldade que levou até a comunidade científica internacional a enaltecer o fato de o Onçafari já ter reintroduzido no meio ambiente onças-pintadas e onças-pardas e que esses animais já geraram descendentes. Está contribuindo para a manutenção de suas populações.

“Entre a Isa e a Fera, duas onças-pintadas que reintroduzimos em 2015, já são mais de oito descendentes, entre filhos e netos”, conta, feliz, Rampim.

O sucesso do Onçafari levou países vizinhos do Brasil a procurá-lo para o estabelecimento de parcerias. “Por enquanto, nos limitamos a uma colaboração com a Argentina, o envio, em 2021, do macho Jatobazinho para o Parque Nacional Iberá. Ele já gerou pelo menos oito filhotes por lá”, lembra Mario.

As prioridades do Onçafari são outras. “Ainda há dois biomas em que não atuamos no Brasil. Começamos no Pantanal, o projeto cresceu, criamos bases na Amazônia, Mata Atlântica e no Cerrado. Pensamos, sim, em ter também nos dois outros biomas brasileiros que faltam, a Caatinga e o Pampa”.

Formar os próprios profissionais

A maior dificuldade do Onçafari para estender ainda mais a abrangência de atuação é não haver grupos de profissionais treinados para a complexidade desse trabalho. É preciso compreender em profundidade as características de cada bioma, meio ambiente e espécies animais. Há particularidade em tudo. O conhecimento em um bioma não se aplica, totalmente, a outro.

“Nosso time foi formado no próprio Onçafari”, lembra Mario. A formação acadêmica é importante, mas como tudo é praticamente experimental nesse trabalho, a experiência de campo é essencial. “É preciso no mínimo dois anos de convivência no dia a dia, no front, para esses profissionais poderem assumir a liderança dos projetos em outros biomas”.

Mais: “Temos muita gente capaz em formação. Mas ainda falta um tempo para não apenas montar uma base na Caatinga, por exemplo, onde ainda há onças selvagens, como atender aos vários pedidos que recebemos para estabelecer associações, parcerias, como a que fizemos com a Caiman Pantanal há 12 anos”, afirma Mario.

“Sonho, também, em criar uma escola para guias do ecoturismo. Já enviamos nosso pessoal para a África do Sul e recebemos gente que veio de lá. Está nos planos”.

Corredores ecológicos, uma revolução

Outro desdobramento do sucesso do Onçafari foi a criação dos corredores ecológicos, que é a integração entre áreas de preservação, definindo extensos territórios em que tudo segue regras sustentáveis de exploração ou mesmo são mantidos como estão, fauna e flora intocadas.

“Um bom exemplo de corredor ecológico é o que conseguimos fazer integrando a área da Caiman, com seus 53 mil hectares, com a da Reserva Santa Sofia, de 34 mil hectares, e outros vizinhos, com um total superior a 400 mil hectares, ou mais de 4 mil quilômetros quadrados (quase três vezes a área total da cidade de São Paulo). Os animais circulam sem obstáculos por essa imensa área preservada”, diz Rampim.

A maior herança das iniciativas do Onçafari na conservação da natureza? Mario responde: “Deixar esse legado para as próximas gerações, a necessidade de manter vivos os humanos e todos os seres que vivem conosco”.