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O desafio de lutar contra a falta de consciência, a ganância e o descaso à legislação

Livio Oricchio

 

Sim, a Amazônia dos 6,7 milhões de quilômetros quadrados, maior que a Europa sem a Rússia. Sim, a Amazônia da maior bacia hidrográfica do planeta, de 1.700 rios, com só um deles, o Amazonas, de 7 mil quilômetros de extensão, despejando no Oceano Atlântico o impressionante volume de 209 mil metros cúbicos de água por segundo.

Sim, a Amazônia da maior biodiversidade da Terra, com 73% das espécies de mamíferos e 80% das aves de um total de 120 mil existentes no Brasil, e 26% das 50 mil espécies vegetais brasileiras. Sim, a Amazônia de sua estratégica capacidade de absorver 10% das emissões de carbono resultantes da ação humana, principal causa das mudanças no clima no mundo todo.

Sim, a Amazônia e suas riquezas de minérios, madeira, quando explorada de forma sustentável, látex, castanha, peixe, enfim, a lista é extensa e não conhecida integralmente. Sem falarmos no que representa o legado cultural dos seus 440 mil indígenas distribuídos em 180 povos, além de vários grupos isolados.

Bem, permaneceríamos aqui relatando mais e mais predicados do maior bioma dos seis existentes no Brasil, a Amazônia, por longas linhas. Não foi por outra razão que a Unesco a inseriu dentre os Patrimônios da Humanidade. Não podemos prescindir da Amazônia para a vida seguir sem maiores intercorrências no planeta.

A noção de sua importância não somente para o Brasil é antiga. No dia 5 de setembro de 1850, o então imperador D. Pedro II criou a Província do Amazonas ou, como chamamos hoje, o Estado do Amazonas. Foi uma tentativa de começar a preservar a maior riqueza brasileira.

 

Ficaria decepcionado

O que D. Pedro II não poderia imaginar é que um século e meio mais tarde a extensão da degradação desse território fosse ser tão grande. A agricultura, pecuária, mineração, garimpagem, tudo sem planejamento maior, a exploração madeireira puramente extrativista, a grilagem de terras, a expansão dos assentamentos humanos e as grandes obras de infraestrutura, com quase nada respeitando as leis, são exemplos de atividades que atingem em cheio a Amazônia.

Nesta terça-feira, 5 de setembro, celebramos o Dia da Amazônia. Todos têm consciência do quanto deve ser feito para podermos explorar seus incomensuráveis recursos naturais e, ao mesmo tempo, preservá-la. Conhecimento e tecnologia para isso existem. Faltam capacidade de investimento e decisão política de agir com energia, impondo a observação do que exige a legislação, dentre outras ações.

O Onçafari tem uma base na Amazônia. Fica na Pousada Thaimaçu, às margens do Rio São Benedito, no sudoeste do Pará, próxima à fronteira com Mato Grosso. Lá uma equipe de biólogos e outros profissionais desenvolvem importantes trabalhos de pesquisa. Dentre eles, o monitoramento de onças pintadas e pardas da região, além de reintroduzir no seu ambiente natural filhotes dessas espécies encontrados sozinhos na mata, depois de intensa preparação, em ambiente controlado, durante cerca de dois anos.

 

Testemunha ocular

O responsável do Onçafari na Amazônia é o biólogo Leonardo Sartorello. Aqui ele descreve um pouco de suas experiências vivendo em um local de natureza tão única, uma combinação de grande prazer e apreensão: “Infelizmente 99% das pessoas não têm oportunidade de conhecer, de verdade, o que é a Amazônia”.

Sartorello: “Quando você entra na floresta e depara com árvores como Angelim, dentre outras, com seus 50, 60 metros de altura, e seis, sete pessoas não conseguem abraçá-la, você sente dentro de si a dimensão da Amazônia. Representamos um grão de arroz, nada, diante dessa realidade impressionante”.

Apesar de estar em uma área onde os proprietários, de modo geral, têm consciência da necessidade de preservá-la, até para manter seus negócios de ecoturismo, do outro lado do Rio São Benedito a veracidade dos fatos é outra: “Estamos no meio do arco de desmatamento, vem de Rio Branco, atravessa a fronteira do Mato Grosso, passa pelo Pará e se estende até o Maranhão, chegando no Cerrado, Oeste da Bahia e norte de Minas Gerais”.

 

Presença fundamental

Na descrição dos problemas da Amazônia mencionamos a exploração inconsequente, por exemplo, do agronegócio. Sartorello dá mais detalhes: “A gente vê a soja chegando até atingir uma barreira natural, na minha visão, a do Rio São Benedito. A partir daí temos uma reserva indígena com 2,5 milhões de hectares (25 mil quilômetros quadrados) ao lado de uma área de 2,2 milhões de hectares (22 mil quilômetros quadrados), da Serra do Cachimbo, controlada pela Força Aérea Brasileira (FAB)”.

O biólogo do Onçafari na Amazônia afirma que se não fosse a FAB estar na região e a existência de proprietários de fazendas conscientes, a grilagem de terras, tão comum por lá, teria invadido tudo. Essa é apenas uma pequena mostra dos desafios do governo e de entidades privadas de conservar a Amazônia.

A falta de consciência dos donos de terras, sendo que muitos as assumiram ilegalmente, associada à ganância e à histórica corrupção de parte das autoridades, explica, em grande parte, o quadro de degradação que vivemos hoje na Amazônia. Mas, como dizem os estudiosos do tema, ainda há tempo para reverter essa escalada de destruição. Mas é preciso agir imediatamente.