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Lilian Rampim
Em depoimento ao jornalista Livio Oricchio

Desde a reintrodução, há 70 dias, essa perspicaz onça-parda vem demonstrando ótima adaptação à nova e desafiadora realidade.

 

Olá amigos.

Olha eu de volta aqui, com notícias bem legais sobre o Oliver. Estamos animados com os seus primeiros quase dois meses e meio de vida livre na natureza, apesar de a experiência nos recomendar cautela nessa análise.

Se você acompanhou a minha descrição do comportamento do Oliver durante os quase dois anos em que nós o preparamos para regressar ao seu habitat, de onde saiu com três meses de vida, verá que a promissora adaptação inicial dele à nova realidade não representa nenhuma surpresa.

Eu os convido para caminhar do meu lado no trabalho de monitorar o que o Oliver anda fazendo na área da Caiman Pantanal. Na verdade, também nos demais territórios que compõem o maravilhoso corredor ecológico do qual fazemos parte, com algo como três vezes a área da cidade de São Paulo, ou 4 mil quilômetros quadrados. Por enquanto.

É grande, viu, amigos! Um tremendo alívio para quem além de amar a natureza faz parte de um grupo de profissionais bastante focado na preservação da vida selvagem e do meio ambiente. Como o nosso.

Você viu nos três capítulos anteriores como eu descrevi o Oliver? Onça-parda cheia de personalidade, altiva, esquiva, excelente caçadora das presas vivas que disponibilizávamos no seu extenso recinto, dentre outros predicados. Falei bem dele em várias ocasiões, lembra?

Pois esse conjunto de características está agora sendo usado pelo Oliver a seu favor para sobreviver e bem na natureza, pelo que podemos compreender até agora.

Topa voltar a fita até o ponto em que abrimos as portas do seu recinto, dia 23 de junho, dizendo-lhe algo como “Agora é com você, amigo”? Comentei com vocês também que naquele dia fiz as minhas vibrações para São Francisco de Assis. “Chico, protege ele.”

Como tudo com relação ao Oliver, não hesitou em deixar o território onde vivia aqui na Caiman. Expliquei no capítulo anterior. Começamos logo em seguida a monitorar os seus deslocamentos. O colar com GPS que instalamos no Oliver está funcionando muito bem. Pudemos ver, cheios de entusiasmo, os pontos no gráfico indicando os caminhos seguidos pelo Oliver.

Pula por todo canto

Os sinais emitidos nos oferecem uma série de dados em tempo real. Muito legal por um lado, mas frustrante por outro em razão de não conseguirmos chegar até onde o danado do Oliver se enfia.

Felizmente ele é um autêntico bicho do mato! Se mete em lugares que até Deus duvida que existem. O mais interessante é que não possui um padrão definido, tem uma forma de se mover muito louca.

Vai para cima e para baixo, por área de mata, campo aberto, e ele também não estabeleceu nenhum território, como as onças, de modo geral, fazem.

O Oliver visita vários territórios, não tem um definido. As onças-pardas se movimentam de maneira bastante distinta das onças-pintadas. A pintada é muito mais fiel ao seu território, forma quase um polígono certinho, percebemos ao fazer o mapa da sua movimentação.

 

Já com a onça-parda é um tal de estica para cá, estica para lá, estilinga para outro lugar, vai para o norte, para o sul, é intrigante. O problema é que nesse estica e puxa a onça-parda acaba por trombar com o território de onças-pintadas e você bem sabe que a onça-parda apanha da onça-pintada. Esta é maior, mais forte, dominadora.

Ou seja, amigos, a onça-parda é um bicho que vive perigosamente, está o tempo todo se expondo ao perigo. E o Oliver não é diferente. Ele é ainda um molecão, está explorando tudo ao seu redor naquele imenso território.

Você tem ideia do que são, só no caso da Caiman, 530 quilômetros quadrados? Acho que já falei isso em outro capítulo, mas para você não ter de voltar até lá e ficar procurando, pense em um retângulo de 25 quilômetros no lado maior por 21 no menor. Captou a mensagem da sua dimensão?

Nós fazemos investidas regulares nesses territórios com a antena de captação dos sinais VHF do Oliver.

Ninguém por perto

Conheça melhor o Oliver, agora, ainda que eu conte algo parecido para vocês há tempos. Nós escutamos o sinal da sua presença por perto. Mas à medida que ele ouve o nosso super 4 x 4 se aproximar, o Oliver se afasta. É bem ligeiro, não quer saber de ninguém perto dele, o que é muito bom.

Por isso que o dia em que o pessoal aqui da Caiman avistou o Oliver foi tão especial. Eles não estavam monitorando o sinal, sequer imaginavam encontrá-lo. Eles voltavam de um passeio com hóspedes do nosso ecoturismo quando eis que surge, no meio da estrada, a nossa furtiva onça-parda.

O Oliver a atravessou, deitou e lá ficou bonitinho por um bom tempo, como ocorre com tantas outras onças que monitoramos na Caiman, para deleite de todos. Poucos acreditavam ser possível educar as onças, pintadas e pardas, a conviver com a presença respeitosa de seres humanos por perto.

Esconde tudo

Outra dificuldade que temos com relação a descrever a trajetória do Oliver ou de onças-pardas, como regra, é encontrar restos das suas presas, a fim de entendermos como está sendo a sua alimentação.

Isso porque as onças-pardas escondem os restos de suas presas, lançam palha, terra sobre elas, para que os urubus não as encontrem e, mais tarde, voltem para comer.

Nós procuramos, procuramos e não encontramos os restos das suas presas, o Oliver as está escondendo muito bem ou deve estar comendo tudo, não deixa nada para os abutres ou mesmo outros animais carnívoros. É eficaz também nisso.

Em resumo, amigo, as imagens que registramos do Oliver naquele dia em que simplesmente deitou ao lado da estrada de terra, na fazenda, contra as nossas expectativas, somadas aos dados de deslocamentos frenéticos que dispomos, nos permitem entender que o seu processo de reintrodução ao meio ambiente está indo, como mencionei, super bem.

Se você me perguntasse: “Lilian, com dois meses e meio de monitoramento do Oliver, o que descobriu sobre preferências dele, onde mais gosta de estar?”

Eu responderia: “O lugar que ele quiser, o lugar que escolher. O Oliver frequenta mata fechada, margens de mata, campo aberto, campo com capim alto, com capim baixo, tudo é território de exploração. O Oliver é muito especial”.

Precisamos de descendentes

Você sabe que a ciência considera uma reintrodução bem-sucedida não apenas se o animal gera uma primeira geração de filhotes, mas também uma segunda, refiro-me a ter netos. Tem uma noção da dimensão do desafio diante de todos os riscos que mostrei aqui?

Como já contei, as onças-pintadas Isa e Fera, fêmeas, mais o Jatobazinho, macho, reintroduzidos pelo Onçafari, já geraram filhos e netos, portanto estão repovoando suas áreas com espécimes da sua espécie, um dos principais objetivos do nosso trabalho, da própria existência do Onçafari.

Bem, amigos, acho que é isso. Por enquanto. Ao longo dos meses vocês poderão se atualizar das andanças do Oliver no Pantanal ao acessar os textos disponibilizados na aba blog do site do Onçafari.

São Francisco de Assis, Chico para os íntimos, lembre-se, por favor, do que te pedi. Siga cuidando do Oliver. Obrigado. E minha gratidão também a vocês, amigos, que pacientemente tiveram coragem de me acompanhar na sublime tarefa de liderar um grupo excepcional nesse trabalho de dar ao Oliver uma segunda chance na natureza.

Beijuuuu!