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Recentemente, nossa equipe publicou um estudo técnico-científico que relata um comportamento raro observado entre presas e predadores no Pantanal. O estudo aborda interações entre onças-pintadas (Panthera onca) e queixadas (Tayassu pecari) em uma estratégia anti-predação conhecida como mobbing, que significa “ataque” em inglês. Esse comportamento é eventualmente utilizado por espécies de presas que vivem em grupos. Nessa estratégia, os indivíduos do bando atacam ou perseguem um predador até que ele desista e/ou saia da área. Dessa forma, as presas conseguem “driblar” seus predadores, aumentando suas chances de sobrevivência individuais e do grupo. 

 

Casos observados durante o estudo 

As onças-pintadas e queixadas coexistem ao longo da maior parte de suas áreas de ocorrência no continente americano. O trabalho em questão, foi desenvolvido dentro de uma das áreas estudadas por nossa equipe: a ampla base de ecoturismo e pesquisa do Onçafari, o Refúgio Ecológico Caiman, situado no Pantanal brasileiro. Sabe-se que os queixadas são uma das principais presas silvestres das onças-pintadas nessa área, porém, uma das mais perigosas. Essa espécie de presa vive em grupos que podem chegar a mais de 100 indivíduos, apresentando comportamento muito agressivo na presença de um predador. Na pesquisa publicada na revista Acta Ethologica, apresentamos e avaliamos três interações em que os queixadas levaram a melhor nesses encontros. 

Dois casos de mobbing foram registrados por armadilhas fotográficas durante nossas pesquisas de rotina. Já o terceiro caso, foi observado diretamente por um dos nossos biólogos durante o monitoramento diário. 

 

Primeiro caso

O primeiro evento ocorreu em novembro de 2016. Uma fêmea monitorada pela equipe, conhecida como Estrela, tentou subir uma figueira carregando uma capivara que ela havia caçado. Após três tentativas frustradas de subir, um grupo de queixadas se aproximou e perseguiu ela e seu filhote de 8 meses, o Cometa, acuando-os no alto da figueira. O episódio todo durou cerca de 22 horas, sendo que por quase 10 horas (não-consecutivas), Estrela e Cometa ficaram no alto da árvore. Depois do bando de queixadas deixar a área na manhã seguinte, Estrela desceu e tentou subir a árvore com a capivara novamente, mas sem sucesso. Então ela e Cometa desceram e provavelmente foram se alimentar da carcaça. 

Estrela acuada em árvore por um grupo de queixadas.

Cometa, filhote da Estrela, subindo na árvore momentos antes dos queixadas chegarem

 

Segundo caso

O segundo evento foi observado em maio de 2017 pelo biólogo do Onçafari, Eduardo Fragoso, em que um grupo de 15 queixadas perseguiu e acuou a Gaia, outra fêmea monitorada pela equipe. A Gaia subiu numa árvore, onde permaneceu por 40 minutos, até o grupo ir embora. Então desceu em segurança e se afastou do local. 

Gaia acuada em árvore por grupo de queixadas. Imagem: Eduardo Fragoso

Terceiro caso

O terceiro evento publicado nesse artigo ocorreu em setembro de 2017, quando nossas armadilhas fotográficas gravaram a Fera sendo acuada dentro de uma manilha (tubo de concreto sob a estrada) por um bando de queixadas, que estavam eriçados e batendo os dentes. A Fera permaneceu dentro da manilha, mostrando os dentes e tentando expulsar agressivamente os queixadas, que deixaram a área. Meses antes desse registro, a Fera já tinha sido avistada pela equipe se alimentando de um queixada caçado por ela dentro de uma manilha.

 

Conclusão

Nossa equipe sugere que o comportamento de mobbing provavelmente depende do tamanho do grupo de queixadas e pela proximidade que os indivíduos do grupo estão um do outro. Indivíduos que estão mais afastados do restante do grupo ficam mais vulneráveis à predação, geralmente levando a pior em encontros com onças-pintadas, como também já foi observado pela nossa equipe. Concluímos que esse comportamento coletivo é muito vantajoso para as espécies-presa, pois diminuem consideravelmente as chances de sucesso do predador.

Ariranhas também já foram registradas apresentando o comportamento de mobbing para expulsar onças-pintadas das margens dos rios e assim proteger o grupo, principalmente os filhotes, que são mais vulneráveis à predação. 

 

O conhecimento científico nos permite mapear e planejar melhores estratégias de conservação da rainha das florestas e de todo o ecossistema no qual está inserida. Por isso, a importância de continuarmos sempre observando e estudando seus comportamentos, além de claro, comunicar e propagar as informações obtidas. 

A pesquisa foi desenvolvida por múltiplos profissionais do Onçafari: Lilian E. Rampim, Leonardo R. Sartorello, Carlos Eduardo Fragoso e Mario Haberfeld, com a colaboração da pesquisadora da ONG Panthera, Allison L. Devlin. Parabéns a todos pela dedicação e resultados alcançados! 

 

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