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Texto por Livio Oricchio

Meio ambiente e o Onçafari: tudo a ver.

Na Semana do Meio Ambiente, o Onçafari destaca suas ações de conservação das espécies e do seu habitat.

Se existe algo que tem tudo a ver com os desafios do Onçafari é a questão ambiental. Não dá para proteger as espécies, como faz cientificamente o Onçafari, sem estender os mesmos cuidados aos seus habitats, seja por nós mesmos ou por quem oficialmente deve zelar por eles, o Estado. E por que não juntos, como já fazemos?

Há uma interdependência intrínseca nessa relação entre preservação da fauna e da flora e a conservação da natureza. Você já pensou que são sinônimos? Assim, falar da Semana do Meio Ambiente, com início nesta segunda-feira, equivale a discorrer sobre o cenário onde praticamente todas as ações do Onçafari se desenvolvem. E, claro, é sempre prazeroso.

 

Vamos bater um papo sobre esse tema tão oportuno quanto fascinante?

Para se ter uma ideia da abrangência do assunto, de quantas vertentes emanam dos estudos destinados a garantir a conservação do meio ambiente, a bióloga-chefe do Onçafari, Lilian Rampim, conta que logo em seguida ao início das pesquisas de seu time sobre a onça-pintada no Pantanal Matogrossense, há quase 12 anos, novas demandas começaram a aparecer de forma inexorável.

“Queríamos mostrar que a onça vale mais viva do que morta através do ecoturismo, essa é a razão de o Onçafari ter sido criado”, diz a bióloga. “Provamos ao longo do tempo, através do ecoturismo, que manter o bicho vivo, saudável e habituado à presença do ser humano para poder contemplá-lo (no seu meio ambiente), é capaz de gerar renda.”

 

Novas frentes

Só que a coisa tomou uma proporção bem maior. “Daí nasceram os seis braços, as seis linhas de atuação do Onçafari”, comenta a bióloga.

São elas: ciência, com o respeito à metodologia científica; rewild, a reintrodução de animais no seu habitat; a educação, através de palestras nas escolas, empresas, por exemplo; o social, trabalhos realizados com as comunidades vizinhas aos projetos do Onçafari; e florestas, para cuidar da natureza.

“Na verdade, é tudo uma grande malha que, de mãos dadas, acaba por propiciar melhoras significativas para o meio ambiente, no presente, mas principalmente no futuro.”

Isso tudo ficou ainda mais evidente com a diversificação das atuações do Onçafari, em especial por estar em uma nação de dimensões continentais como o Brasil, com seis biomas bem caracterizados: Pantanal, Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga e Pampa. O Onçafari só não tem base, ainda, na Caatinga e no Pampa.

 

Três bases de ecoturismo

O Onçafari trabalha com três bases de ecoturismo: Caiman, no município de Miranda, no Mato Grosso do Sul, em pleno Pantanal, a Pousada Trijunção, na fronteira entre Bahia, Minas Gerais e Goiás, no Cerrado, e o Legado das Águas, na Mata Atlântica.

A conservação de todos os biomas é mais que um lema para o grupo de profissionais do Onçafari, como explica Rampim: “Essa rede de frentes de atuação conta com um time de profissionais em todas as bases que fazem o trabalho de formiguinha para garantir que o amanhã e o depois de amanhã sejam melhores que o ontem. Todos nós trabalhamos por essa causa maior, não é um emprego, mas uma causa que realmente a gente acredita”.

A frente florestas de ações do Onçafari está sob os cuidados de um grupo onde atua o biólogo e guia Lucas Morgado. “Partimos, basicamente, do princípio que você não preserva a espécie se não preservar o habitat onde vive”, afirma. “No caso da onça-pintada, é um animal que precisa de um vasto território para encontrar parceiros, alimentos. Se o meio ambiente estiver degradado, desmatado, fragmentado, ele terá dificuldade para se deslocar, encontrar presas. Em muitos casos ataca animais de criação.”

 

A revolução dos corredores ecológicos

Morgado explica que uma das formas de o Onçafari enfrentar esse problema de destruição do meio ambiente não apenas da onça-pintada, mas do lobo-guará, outro animal estudado mais a fundo por seus profissionais, é a criação dos chamados corredores ecológicos.

“São várias áreas de conservação, por vezes com diferentes donos e até públicas, todas integradas, de maneira a formar uma única grande área.” (Reportagem para tratar exclusivamente do tema dos corredores ecológicos será disponibilizada nos próximos dias.)

A série de agressões ao meio ambiente é extensa no Brasil. Provém principalmente de comportamentos mesquinhos do homem, por visar a geração de renda sem maiores ou nenhuma preocupação com preservação ambiental. Marcos Ávila é biólogo e guia do Onçafari. “Essas são ameaças que atingem não apenas a onça-pintada, mas muitas espécies.”

Ele cita exemplos dessas ações: “São incêndios ilegais, desmatamento com várias origens, como exploração de madeira, garimpo ilegal, agronegócio, para criação de pasto e plantação de monoculturas, crescimento (não planejado) das cidades”.

As consequências não se limitam à nefasta redução do espaço vital para a sobrevivência das espécies, elas vão bem além, como explica Ávila: “Isso tudo tem uma relação direta com as mudanças climáticas, que trazem ainda mais problemas para a gente, como estações secas mais prolongadas e quando a chuva chega vem mais intensa, gerando as enchentes”.

O biólogo segue explicando: “Essas intervenções causam eventos de fogo e eles também se tornam mais intensos e frequentes”. Os dados estatísticos comprovam a associação entre destruição do meio ambiente e os fenômenos descritos.

 

Reintrodução de animais

Não é difícil entender que essa devastação da natureza gera um importante impacto no número de indivíduos de cada espécie, quando não a coloca sob risco de extinção. “O Onçafari tem a frente rewild, ou seja, a de reintrodução de animais no seu ambiente natural”, conta Ávila.

É um trabalho de grande complexidade e de exigência elevada de investimento. Não há bibliografia a respeito, ao menos da onça-pintada e do lobo-guará, as espécies trabalhadas pelo Onçafari. Os seus profissionais estão desenvolvendo esse conhecimento ao longo dos anos.

“Em 2015 o Onçafari recebeu os filhotes de onça-pintada Isa e Fera. Nessa espécie, a mãe ensina tudo para eles, como sobreviver na natureza, onde buscar abrigo, quando andar em silêncio, locais de água, pontos de caça e o que caçar”, explica o biólogo. Como Isa e Fera perderam a mãe, não tinham ninguém para ensiná-las a viver no seu habitat. “Só lhes restaria viver para o resto da vida em cativeiro, centros de habilitação ou zoológicos.”

As lideranças do Onçafari, biólogos, veterinários e outros de seus profissionais assumiram a missão de tentar reintroduzir as duas irmãs no mesmo ambiente de onde vieram, a natureza. “Construímos um recinto no meio do Pantanal e lhes ofertamos presas vivas naturais da onça-pintada, como capivaras, jacarés, queixadas”, diz Ávila.

Depois de cerca de um ano, os responsáveis pelo estudo entenderam que os avanços no desenvolvimento dos instintos da Isa e da Fera eram grandes. “Elas estavam caçando muito bem, sempre por conta própria, pareciam prontas para voltar à natureza.”

O resultado foi tão extraordinário que hoje ambas já têm até netos. Seguem monitoradas através de colares equipados com rádio.

 

Expandir o sucesso

Esse sucesso fez com que bases do Onçafari em outros biomas desenvolvessem o mesmo trabalho, ajustado às condições de cada um. “Reintroduzimos na Amazônia as fêmeas Pandora e Vivara e adaptamos o macho Jatobazinho.”

Esse animal, contudo, foi destinado ao Parque Nacional Ibera, na Argentina, onde a onça-pintada estava extinta. Com uma fêmea introduzida no parque, Jatobazinho já tem também por lá os seus descendentes.

O conhecimento adquirido, explica o biólogo, fez com que o Onçafari se dedicasse à reintrodução das onças pardas Cacau e Nala. Um macho, Oliver, está em fase final de desenvolvimento para a reintrodução. “Com os lobos-guarás, tivemos os casos de Araticum e Mangaba.”

Há pouco espaço para empirismo nesses estudos, apesar de, como mencionado, tratar-se de uma atividade pioneira. Princípios científicos devem nortear tudo o que o Onçafari faz. A bióloga Beatriz Monteiro aborda a questão.

Mas primeiro relaciona os objetivos do Onçafari com a efeméride da Semana do Meio Ambiente. “O principal deles é cuidar das espécies e dos biomas brasileiros e querendo ou não isso está incluído no que a gente chama de meio ambiente. Poderíamos ter uma longa discussão sobre o que isso significa.”

 

Ciência, para melhor trabalhar

A frente de ciência do Onçafari começou a reunir o máximo de conhecimento sobre a onça-pintada e o Pantanal, principalmente, para trabalhar da forma mais responsável possível com esses animais. A bióloga oferece mais dados: “Colocamos rádios colares para encontrá-los e habituá-los com o ecoturismo, o que nos permitiu obter muitas informações, como estudar o comportamento das mães quando fazem suas tocas, as reações perto de ter filhotes, o espaço de mata que necessitam”.

Os estudos têm sido reveladores. “As relações, as interações desses animais estão desvendando bastante coisa sobre a sociabilidade da onça-pintada, tida como solitária. Aqui a gente vê que ela pode ter bastante tolerância (à observação criteriosa desenvolvida pelo ecoturismo).”

O acompanhamento dos animais com os colares oferece oportunidade única de entender melhor seu comportamento na natureza, como explica Monteiro: “Como se movimentam, as diferenças de acordo com cada momento das suas vidas. Todas as perguntas que conseguimos responder dentro desse viés do uso de uma metodologia mais rigorosa são importantes para trabalharmos de forma mais esclarecida sobre meio ambiente, onças, lobos, o que é a vida ou achamos o que é a vida”.

 

Educação, a base de tudo

Por fim, mas nunca menos importante, enveredamos pelas frentes da educação e do social. Para falar do tema está conosco o biólogo e guia do Onçafari Pedro Reali. Começa com uma frase de efeito, mas profunda. Vale a reflexão: “Nós fazemos parte da natureza, somos meio ambiente. A gente se separa, vivendo em ambientes urbanos, bastante modificados, e esquecemos que somos parte da natureza”.

Reali complementa: “A gente tem de estar bem para a natureza estar bem e a natureza tem de estar bem para nós estarmos bem, é uma coisa só”.

Para o biólogo, essa percepção é difundida somente por meio da educação. “O ser humano é uma espécie social, a cultura é um dos nossos grandes diferenciais, essa interação toda é imprescindível, por isso a educação é a melhor ferramenta para mudar o mundo.”

As frentes educação e social do Onçafari surgem dentro do contexto de que os problemas ambientais são causados por nós, então temos de ser também parte da solução. “Na educação a gente busca levar esse conhecimento para o máximo de pessoas que conseguirmos. Tome o exemplo do ecoturismo. É também um processo educativo, estamos na sala de aula mais legal do mundo que é a natureza, sensibilizamos as pessoas sobre a importância do meio ambiente.”

Os biólogos, guias, profissionais do Onçafari promovem palestras em escolas, universidades, em eventos com empresários, utilizam as mídias sociais, produzem material de divulgação do seu trabalho para revistas, auxiliam na gravação de vídeos, desvendando alguns dos imensos desafios que é preservar a natureza e reintroduzir no seu habitat animais de hábitos tão esquivos como as onças e os lobos. “Levamos nossa mensagem para o mundo todo”, afirma Reali. “Vale aquela máxima, meio clichê, que você preserva aquilo que você conhece.”

A relevância da educação para a necessidade de conservação da natureza se estende até bem além de sensibilizar as pessoas para começarem a pensar em fazer sua parte nesse processo. “A educação reverbera, ela cria engajados. Se pararmos nossas ações hoje, tem gente educada pronta para continuar (com a missão).”

 

Respeito às comunidades locais

A outra frente é a social. É voltada para as comunidades que vivem no entorno das bases do Onçafari. São pessoas que têm sua identidade associada ao meio ambiente, por estarem próximas às áreas selvagens. “Na frente social buscamos valorizar essas culturas já bastante associadas à natureza, fazemos esforços para melhorar sua qualidade de vida exatamente por meio da preservação dessa natureza”, diz o biólogo.

Ele explica que se essas comunidades estão socialmente degradadas, vivendo problemas, as chances de causarem impacto ambiental negativo são altas. “Dá para pensar assim: uma família tem uma condição de vida ruim e enfrenta um problema de saúde ou financeiro. Aí um caçador oferece dinheiro para matar um animal selvagem. Se essa pessoa não souber o valor da natureza, vai matar porque precisa do dinheiro.”

A função dos que atuam nas frentes de educação e social do Onçafari, comenta Reali, é mostrar a importância de conservar o meio ambiente. “Explicar que a sua preservação vai lhes garantir uma condição de vida melhor pelo próprio valor intrínseco da natureza.”

É importante destacar às comunidades do entorno das bases do Onçafari que o ecoturismo é uma ferramenta que traz recursos financeiros à região e que, portanto, conservá-la é, no fundo, manter essa realidade benéfica em aberto. Mais: lutar para manter sua saúde.

“A caça pode acabar e aquela comunidade não teria do que viver. Já o ecoturismo, uma vez o meio ambiente preservado, representa uma ferramenta que gera recursos financeiros por longo prazo.” E todos capitalizam dessa forma.

O biólogo concluiu sua conversa com algo bem particular: “Precisamos mostrar para as comunidades próximas da gente que não estamos lá só por causa das onças ou dos lobos, mas que essas pessoas são igualmente importantes para suas áreas porque, como mencionei, somos parte do meio ambiente como um todo.”